Thursday, February 14, 2008

O estranho costume de sepultar no quintal das casas

Díli, 14 Fev (Lusa) - Alfredo Reinado foi hoje sepultado na sua residência em Díli num hábito enraizado na população timorense que a própria Igreja Católica já tentou combater sem êxito, como explicou à agência Lusa o bispo D. Basílio do Nascimento.

Em muitos quintais de Timor-Leste é comum encontrar sepulturas, mas questionado se o hábito de algumas famílias é uma tradição, D. Basílio do Nascimento considera que "não", mas dá uma explicação histórica.

"Antigamente, os que não eram baptizados não tinham direito à salvação e por isso eram sepultados em terrenos baldios. Mas as famílias começaram a optar por enterrar as pessoas nos quintais das casas em vez de estarem a deixar num terreno qualquer", explicou o bispo de Baucau.

Mais tarde, foram ainda criados cemitérios para não baptizados, acrescentou.

Actualmente, segundo D. Basílio do Nascimento, algumas pessoas optam por enterrar os seus familiares no jardim ou quintal porque acham que assim "estão mais perto deles e podem cuidar melhor da campa".

O prelado explicou também que em meados dos anos 1990, o então administrador apostólico de Díli, D. Carlos Ximenes Belo, divulgou uma recomendação para que as famílias não enterrassem os seus familiares nos terrenos em volta da casa por questões de saúde pública, mas entre o conselho do prelado e a prática comum "vai ainda uma distância grande".

"No tempo da administração portuguesa, e já na altura por razões de saúde pública, era proibido enterrar as pessoas em casa, mas quando regressei a Timor em meados da década de 90, vi muitas sepulturas espalhadas pela cidade e nos quintais", disse.

Além da tradição dos enterros dentro do perímetro da casa, no final das cerimónias fúnebres a família do morto oferece um banquete de agradecimento aos presentes, quer pelas ajudas recebidas para o funeral quer pela simples participação na cerimónia.

Entre as famílias, explicou ainda D. Basílio do Nascimento, depois do funeral é hora de "acertar contas", já que, segundo a tradição, os familiares do defunto terão direito a receber ajudas de bens materiais, como alguns búfalos, que são mortos especialmente para o banquete fúnebre, ou que são entregues vivos à família.

"Se fosse o falecimento de uma mulher já viúva, seria o sogro a ter de pagar uma compensação à família dela, mas aqui é o pai adoptivo que tem o direito", concluiu o bispo de Baucau.

No caso de Alfredo Reinado, morto no ataque de segunda-feira à residência do presidente timorense, o facto de ter sido hoje sepultado na sua casa no bairro Marconi terá a ver com os receios de distúrbios durante o cortejo fúnebre entre Díli e Maubisse - a sua cidade natal, situada a cerca de 60 quilómetros a sul da capital - e alegadas ameaças de rapto do cadáver.



JCS/PRM.

Lusa/Fim

No comments: