** Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa **
Díli, 14 Fev (Lusa) - Centenas de pessoas participaram hoje no funeral de Alfredo Reinado, no Bairro Marconi, em Díli, num cortejo sem incidentes, quase silencioso, entre a casa do seu pai por adopção e a casa do major.
Alfredo Alves Reinado, 39 anos, ex-comandante da Polícia Militar timorense, desertor das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), fugitivo à justiça desde 2006, estava acusado de crimes de homicídio, rebelião contra o Estado e posse de material de guerra.
Hoje, Alfredo Reinado foi levado a enterrar, no seu próprio quintal, por uma multidão para quem o major era, não apenas isso, ou muito mais que isso: era um "herói" e um "campeão".
Era isso que diziam muitas das faixas e estandartes exibidos pela multidão, muito jovem, que prestou homenagem ao homem que morreu segunda-feira no ataque que liderou contra a residência do Presidente da República, José Ramos-Horta.
Leopoldino Mendonça Exposto, 30 anos, também natural de Maubisse (oeste), um dos homens do grupo de Alfredo Reinado e que era co-arguido no mesmo processo, morreu no mesmo ataque que o major e teve, por isso, direito a partilhar com o chefe o velório e a campa.
Uma campa para os dois caixões foi aberta hoje no quintal da casa de Alfredo Reinado e coberta com cimento armado perante a multidão.
As pessoas, enchendo a rua, apertadas contra as grades da casa sob um calor sufocante, lançavam flores e velas para dentro de baldes de plástico que passavam sobre as suas cabeças, de mão em mão, como se lançassem moedas no fim de um espectáculo de rua.
Como já acontecera no velório, quarta-feira, houve cenas de convulsão e grande tensão entre o círculo mais restrito de Alfredo Reinado.
Num muro fronteiro, um grande retrato do major, pintado em Ermera (oeste), foi pendurado num muro. É o mesmo retrato que, em Fevereiro de 2007, apareceu na Banana Road, em Díli, depois de o major ter assaltado três postos da polícia fronteiriça.
Para o empresário Vítor Alves, o homem que cuidou como um pai de Alfredo Reinado desde os seus três anos de idade, o envolvimento no atentado que deixou José Ramos-Horta em estado crítico não diminuiu a aura do major fugitivo.
"O que está a parecer, é o que está a acontecer", respondeu Vítor Alves, fazendo um gesto para a multidão no Bairro Marconi, quando questionado sobre o impacto negativo dos ataques de segunda-feira. "Isso são provas. Amanhã, se passarem cá, continuará a vir gente na mesma".
"Nunca esperava isto. É qualquer coisa que este meu filho adoptivo deixou na juventude. É uma solidariedade, um sentimento profundo, uma crença entre a juventude e ele. Não sei medir isso", explicou Vítor Alves em português correcto, com um sotaque do Minho.
O empresário timorense é filho de um empreiteiro de Monção que, nos anos 1950, veio para Timor para realizar contratos de obras públicas.
"A sepultura de Alfredo vai ser um local de peregrinação", explicou Vítor Alves à Agência Lusa, já depois do funeral, de volta a sua casa, distante cerca de 300 metros da do seu filho adoptivo.
À sua frente, debaixo do toldo azul que protegeu o caixão de Alfredo Reinado, uma fila de jovens aproximava-se de uma fila de mesas carregadas de travessas e pratos. O banquete ia começar, em redor também de outra série de iguarias que ocupava a rua da casa de Vítor Alves.
Em Timor-Leste, a grandeza do defunto mede-se em grande medida nesta boda póstuma. Para as exéquias de Alfredo Reinado foram mortos "uns dez búfalos", explicou Vítor Alves.
Quem não soubesse, diria que tanta comida e tranquilidade seria de um banquete de casamento. Não era, mas o funeral de Alfredo Reinado teve a marca delicada, ritual, da sua agitada vida sentimental.
Vítor Alves, pai e, portanto, sogro por adopção, entregou, por tradição, uma bandeira de Timor-Leste (porque o morto era um militar) e um pano tradicional (porque o morto era seu marido) à mulher "tradicional" de Alfredo Reinado.
Houve outro pano, devido à esposa "católica" do major, que será enviado para Perth, Austrália, onde a primeira mulher de Reinado vive com os quatro filhos do casal. Não pôde estar presente, mas eram "suas" as flores de plástico que velaram a cabeceira do caixão de Reinado.
"Os panos para as viúvas são uma forma de elas recordarem o Alfredo. É como dizer: enrola o teu coração em mim, agora que morri", explicou Vítor Alves à Lusa imitando o gesto das mulheres timorenses quando enrolam o tronco num "tais".
A colocação do cimento sobre a dupla campa de Alfredo e Leopoldino continuou. Os rituais fúnebres vão também continuar. Vítor Alves deixou o quintal do seu filho, passando ao lado das quatro palmeiras que têm uma placa metálica, como se num estranho jardim botânico, dizendo "Pahotologia".
"No fundo é um jardim", comentou Vítor Alves sobre o costume das sepulturas no quintal.
O "pai" de Reinado caminhou pela rua cheia de lama, recebendo "condolências da grande família" - como diziam, em indonésio, muitas das coroas de flores e das camisolas estampadas. Ia descalço, pés no barro, como em todo o funeral. "O meu filho nasceu pobre. Esta é a última homenagem que posso dar-lhe", disse, embargado por um momento, o ex-páraquedista português.
Lusa/fim
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